Olá novamente. Estou postando a história de uma personagem que há muito tempo venho desenvolvendo.. Espero que gostem! Talvez vocês fiquem com cara de ponto de interrogação querendo saber que diabos essa história tem haver com qualquer coisa das mesas e eu vos digo; aguardem e verão.
Como esse conto ficou grande pra caramba, dividirei em partes. Favor ler na ordem para obtenção de sentido.
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Ao meu Querido Feitor - Parte 1
Os passos em marcha contínua e ordenada lhe enchiam os ouvidos. Barulho de gritos, breves, para depois um silêncio fatal. Ela olhava por uma fresta dentre a porta entreaberta do armário, onde se agarrava nas roupas de seu pai.
Seu pai havia ido à guerra. A guerra que, segundo ela sabia, já estava ganha. Mas certamente não era o que aparentava agora.
Ela se apertava mais forte nas roupas do elfo, engolindo seu medo. A lembrança dele a fazia ficar mais forte e, por isso, ela não chorava. Seu primo havia de voltar a qualquer minuto, trazendo ajuda. Ela fugiria daquelas criaturas que haviam invadido a cidade. A qualquer minuto..
A garota ouve o barulho da porta da frente de sua casa – bela casa, de família nobre e importante entre os elfos – ser escancarada. O barulho de passos firmes, de botas duras, vindo a seguir. Ela sentia o coração acelerar, o medo, mas permanecia quieta. Em breve, chegaria ajuda.
Sem andar erroneamente pelo labirinto de quartos que compunha a casa, os soldados entram rapidamente no quarto. Rosnavam em uma língua para ela desconhecida ordens uns aos outros. Pararam.
O que parecia o líder caminhou calmamente ao armário, e falou numa língua neutra; Valkar.
“Saia. Sabemos que está aí.”
A garota cedia às lágrimas, se encolhendo, rezando à Dama Élfica para que seu pai aparecesse com toda a tropa que comandava. Mas não aconteceu. Ela ouviu um sussurro que parecia vir de seu primo. O comandante prosseguiu.
“Eu sei que me entende. Vamos. Saia e nos acompanhe.”
Ele abriu a porta do armário de súbito, para encontrar a jovem elfa segurando-se nas roupas do pai; um importante general da região, quem provavelmente havia tombado em um campo de batalha, defendendo o centro de Lenórienn.
As cidades satélites, como aquela, ficaram então sem defesas. Todas as tropas haviam sido mandadas para o centro. Todas haviam perdido no centro.
A menina observava a tropa de dez hobgoblins, e entre eles, seu primo. Não tinha muito contato com a irmã de seu pai, que havia a muito se juntado a um humano. Apesar de certo desprezo da família, ele, elfo de coração nobre, decidiu abrigar o filho meio-humano de sua irmã, a quem ainda amava muito.
No entanto, ambos primos sequer se conheciam. E ele trocou de bom grado a localização da elfa em troca de sair com vida daquele campo de batalha.
Ela o olhou com tristeza e ódio quando o líder da tropa por fim o dispensou. O garoto assustado passou mais uma vez os olhos pela prima, ofegante, antes de sair correndo e desaparecer pelas escadas.
Filho de uma cadela, ela pensou.
“Amarrem-na. General Dohokr quer vê-la.”
Um dos soldados tenta a arrancar do armário em que ela se abrigava. A garota se debate, morde, arranha, tenta lutar como podia. Tudo em vão. Mas não iriam levá-la sem luta.
Um golpe certeiro. Desmaio. Ela já não podia ver nada.
Quando a elfa enfim acorda já não podia reconhecer onde estava; uma base militar daquelas criaturas. Amordaçada e bem amarrada, um soldado a carregava nos braços, indo em direção ao que parecia ser a tenda do chefe de todos aqueles hobgoblins. Sua cabeça doía, sua visão estava turva. Pouco podia entender daqueles monstros fardados, arrumando armas, esperando para atacar novamente. Muitos olhavam para ela. Seus superiores rosnavam algo que parecia fazê-los voltar ao trabalho, aos berros e ameaças.
Eles enfim adentram na grande tenda militar improvisada. O soldado ergue a garota, mostrando-a.
“Senhor! O que pediu; um jovem elfo de sangue nobre. Pelo que foi dito teve uma educação exemplar, está em perfeitas condições de saúde, sabe fluentemente diferentes línguas, teve treinamento em armas e magia. Além disso, sabe tocar harpa, e melhor ainda; é uma fêmea.”
Mesmo que ela não tenha entendido uma palavra, entendeu que estava sendo apresentada como mercadoria. O soldado então começou a passar as enormes mãos por seu corpo delicado, rasgando-lhe as roupas, despindo-lhe. Ela soluçou de medo.
Não tinha ainda seios, e isso parecia agradar o hobgoblin que deslizava a mão asquerosa pelo seu busto, começando a descer pelo seu corpo.
O líder então virou a cadeira, observando. Levantou-se, e caminhou calmamente ao soldado. Já não era jovem, e uma cicatriz de espada cortava-lhe o rosto do lado esquerdo, até acima do nariz. O cabelo negro, eximiamente penteado estava preso para trás, num rabo de cavalo. Ele retirou o monóculo que usava para ler. Parou ao lado do outro de sua raça.
“..O que pensa que está fazendo, soldado..?”
“..Senhor? Ah! Desculpe, Senhor! Só estava “petiscando”, General! Claro que ia deixar para... Vossa senhoria.. “estrear”..”
“”Petiscando”?” – Ele ri, desembainhando calmamente a espada. – “Responda-me, recruta. É um animal?”
“S-senhor?”
“Responda-me recruta. É um animal no cio?”
“D-desculpe-me! Senhor General Dohokr, líder dos Hobgoblins do Nor..”
O General aponta a espada para a garganta do outro hobgoblin. Ele choraminga.
“Meus homens sabem as leis da guerra. Não são animais imbecis e descontrolados que estupram elfas e saqueiam a vontade, queimando, depredando e destruindo como um bando de bugbears estúpidos. Estamos aqui para conquistar. Estamos aqui para aprender com o inimigo e nunca mais sermos subjugados. Diga, homem, a que deus sua alma serve?”
General Dohokr falava em Valkar, propositalmente para que a elfa entendesse. Ele presumia que ela entenderia.
“Ragnar! R-ragnar o Senhor da Morte! Agora por favor, poupe minha vida!”
“..Falta-lhe disciplina.” – Continuou o General, em língua humana – “Ragnar e seus filhos bugbears querem semear só destruição descontrolada até serem eles mesmos consumidos pelo próprio caos. Você é um hobgoblin. Mas acha-se filho de Ragnar.”
“Senhor.. Por favor..”
“Eu sou um filho de Hurlaagh, nosso criador, que chora ao ver crias como você. Eu sou um servo do general supremo, do lutador invencível, Hrumork, o Senhor da Guerra. Não tenho espaço para bestas como você em minhas fileiras.”
Num único e harmônico golpe de sua espada longa, o General fez a cabeça do soldado rolar ao chão, tingindo a jovem elfa de vermelho. Ele a segura, tirando-a em um movimento rápido do corpo sem vida e a colocando sentada na mesa.
Após isso, o hobgoblin rasga as amarras da elfa, deixando-a solta, e sem mordaça. Ela salta da mesa e se encolhe em um canto, maquinando como fugir.
“..Pois bem. Depois desse breve contra-tempo.. Diga-me, criança.. Qual seu nome?”
A garota continuava como antes.
“Meu nome é Dohokr. Agora vamos.. Diga seu nome.”
Ele caminhava lentamente até ela, calmo. Já havia guardado a espada na bainha. A garota olhou com raiva para ele, esperando o hobgoblin se aproximar.
O general chega até ela. A elfa levanta um pouco o corpo e cospe no rosto do goblinóide, tremendo de medo, mas impassível no olhar.
“Não direi nada a você, monstro!” – Ela grita esganiçada, em élfico.
Ele limpa calmamente a fronte. E sorri. Ao contrário do que se poderia pensar, seus dentes eram brancos e bem cuidados; os caninos inferiores, proeminentes, lixados na ponta a fim de que ficassem com o mesmo tamanho.
“Me disseram que é filha de um comandante de tropas e de uma druida selvagem. Interessante. Mas, criança, não seja tola. Vocês perderam a guerra.”
“Nunca perderemos a guerra! Lá, em Lenórienn...”
“Lenórienn caiu há dois dias. Acabou.”
Os olhos da jovem imediatamente encheram de lágrimas e medo. Tudo que havia sido informado aos elfos daquela região afastada é que era questão de tempo até eles ganharem novamente dos goblinóides estúpidos.
“...Deusa.. Por.. Quê..?”
“Ora, criança. Vocês perderam por tolice. Há incontáveis gerações, os elfos vêm ganhando as guerras. Vocês tem estratégia, armas, magia.. Artefatos invejáveis. Mas, menosprezaram o meu povo. Nós evoluímos. E o Deus da Guerra sorriu para nós. Por isso, pequena elfa, que eu quero aprender com vocês, para nunca mais perder. Seria imbecilidade menosprezar um povo que, a muito, nos venceu, não acha?”
“Maldita seja essa guerra!”
O hobgoblin riu.
“Parece que vocês esqueceram aspectos de si mesmos, não é? Sabe.. Eu gosto muito de ler. Eu aprendi muito sobre povos e culturas distintas. E estratégias. Por isso, criança, que eu invadi suas terras hoje deixando casas e cultura aproveitável, intactas. Prisioneiros, apenas os úteis como você. Sem tortura inútil, sem sadismo bestial. Eu quero que meus soldados construam uma família íntegra e não de barbárie quando voltarem para suas mulheres.
Mas ao que eu saiba.. A deusa élfica tem em seus aspectos, além de magia e caos, a guerra. Não? Você esqueceu disso?”
A garota nega com a cabeça, levantando o corpo. Tenta fugir. Dá uma pequena corrida em direção a porta.
“Tolice.” – Diz o General, sem nenhum alarme. – “Criança. Você tem duas opções; Ou você fica aqui, ou você foge. Fugindo, você vai se deparar com uma tropa de soldados que, mesmo treinados e disciplinados, vão se divertir muito abusando de você um depois do outro até que seu corpo esteja retalhado. Então, enfim, vão devorar a sua carne. Mesmo que eu não autorize, escondidos ou não, vão fazê-lo. Estão numa guerra. A tensão corre em suas veias.”
A menina soluçou.
“Eu não vou ajudar você! Eu prefiro morrer!”
“Morrer? Por quem? Pelos elfos? Pela sua família? Pois lhe digo.. Morta, nada poderá fazer. Viva, você sempre pode conseguir fugir em boa situação e, quem sabe, salvar alguém. Ou, se você me agradar, negociar a vida de alguém. Mas, se prefere a morte..” – Ele desembainha a espada – “Posso matar-lhe agora. Então? Vida, ou morte?”
A elfa olhava confusa e apavorada. Sentiu duas lágrimas rolarem pelo rosto, mas permaneceu com o corpo ereto, firme.
“...” – Ela respirou profundamente – “..Prefiro viver.”
“É uma menina inteligente. Vai me dizer seu nome?”
Ela abaixa a cabeça, relutante, como se num último grito de liberdade.
“Entendo. Ei, Kartht, venha cá!”
Outro hobgoblin rapidamente aparece na tenda.
“Chamou, General?”
“Leve-a para o cárcere. E alimente-a.”
“Sim senhor.”
“Quando ela comer, traga-a em minha presença novamente.”
“Entendido, senhor.”
A menina não entendia o que eles falavam. No entanto, protestou quando o outro hobgoblin a imobilizou, agarrando-a, e arrastando-a para fora.
Ela foi levada à outra tenda, atrás da do general. Uma prisão, aparentemente, pois dentro havia reforços com barras de metal. Então empurrada para a jaula pelo goblinóide, que finalizou fechando a porta gradeada num ruído alto. Ela olhava impressionada e amedrontada pelo aprisionamento. Então virou para trás, observando-o.
A cela nada parecia com uma cela, exceto pelas grades resistentes de metal que a cercavam. Uma cama, tapetes. A cama estava coberta com seda élfica, trazida de alguma casa invadida. Sobre a cama havia uma bela boneca, igualmente élfica. A tenda era quente, graças ao chão forrado de peles, todas recém abatidas.
“Sua comida.”
Falou o mesmo hobgoblin de antes, deixando uma bandeja e um prato no chão, por meio de uma fresta na jaula.
A bandeja era de prata decorada. O prato, porcelana pintada à mão. Élficos.
“Como sua roupa está rasgada, na gaveta da direita pode encontrar roupas novas.”
Após dizer isso, o hobgoblin se retirou.
Nervosa e confusa a garota olhava aquilo tudo sem entender. Encolheu-se num canto, com as roupas rasgadas, e deitando-se no chão. Recusou a comida. O prato lhe foi retirado sem que seu carcereiro nada dissesse, nem nenhuma repreensão fosse dada.
Permaneceu nas primeiras vinte duas horas no chão. Depois, trocou a roupa, e deitou-se na cama. Quarenta horas depois do cárcere, chorava, abraçada na boneca. Em quarenta e quatro horas, dormia, abraçada com a mesma boneca.
Cinqüenta e seis horas depois de ser presa, a elfa enfim cedia à fome. Algum pássaro da floresta, caçado e cozido em tempero forte, mas agradável. Comia com certa voracidade.
O General havia calculado quatro dias até ela comer. Mas ela cedera antes. Seu plano estava dando mais certo do que o imaginado.
Seu carcereiro voltou, abrindo a jaula. Ela sabia que não poderia escapar. Nem tentou.
Ele trazia uma tina de água.
“Tome banho. Se troque. Irá jantar com o General Dohokr essa noite.”
E ela, vendo-se sem escapatória, decide fazer o que lhe fora mandado.
A garota fora guiada pela mão até a tenda do General. Limpa e arrumada, usava um belo vestido e trazia em mãos a boneca élfica. Estava ainda abatida pela guerra, mas parecendo menos uma sobrevivente faminta.
Entrou sozinha na base. O General ergueu o rosto, tirando seu monóculo e guardando os papéis que lia. Fez gesto para ela se sentar na cadeira frente a sua mesa. Ela o fez.
Minutos de silêncio mais tarde, um jovem hobgoblin entra na tenda. Arruma pratos, serve a comida em bandejas de palha trançada; improvisada, mas bonita manufatura de seu povo. Serve água à garota, e algum alcoólico forte ao General. É dispensado.
“Pois bem, criança. Espero que o assado esteja do teu agrado.”
“...”
“Se não quiser comer, não te culpo. Mas aviso-lhe, irá vir jantar aqui todos os dias, a partir de hoje. É bom se acostumar.”
“...Por que..?”
“Como?”
“...Por que não me mata? Por que não age como os outros hobgoblins? Por que me deu um quarto, roupas, boneca?? POR QUÊ??”
A elfa abaixa o rosto e começa a chorar. Ele toma um gole da bebida.
“Achei que fosse gostar da boneca.”
Ela continua chorando.
“Entenda, menina. Você me é útil. Você vai me ajudar. E para quê eu vou destratar alguém que vai me ajudar?”
“Eu sou uma elfa! E.. Eu nunca vou te ajudar!”
“..Acho que eu sei tua raça. Criança, já matei adultos de sua espécie armados até os dentes, sem que sequer me arranhassem. Não tenho medo de um filhote como você. Mas tenho cautela. Veja essa marca, em meu rosto. Quem fez? Um elfo. E exatamente para que isso não aconteça mais, você está aqui.”
“Maldito! Eu nunca vou te ajudar! Nunca!”
“Vai. E lhe digo. Vai querer ajudar.”
Ela olhou sem entender. Franziu o cenho. Fitou com ódio.
“Por que me odeia? Estou sendo ruim, menina? Se matei dos teus, os teus mataram dos meus. É uma guerra. Ou você acha que nenhum elfo jamais degolou uma criança goblinóide, indefesa, chorando pela mãe?”
Abaixou os olhos.
“Seu nome. Diga-me seu nome.”
Olhou para os lados, tentando desviar da pergunta. Respirou fundo. Sussurrou.
“Yarinni Lazuli.”
“Finalmente estamos nos entendendo. Se quiser, pode ir para sua tenda. Se quiser, pode fugir, mas eu já te alertei que morrerá de uma maneira brutal se o fizer. Leve a comida. Mais tarde, mando-lhe entregar um doce.”
Ela pensou em gritar. Fugir. Morrer. Desobedecer. Mas domando seu coração caótico com pavor, ela simplesmente fez o que fora mandado. E comeu em sua cela. E conversou com sua boneca. De fato, mais tarde, ganhou o doce. Comeu com gosto – A muito, desde a explosão daquela guerra genocida não via guloseima como aquela.
E com o passar dos dias, a elfa foi acostumando a conversar com o General Dohokr. Imaginava que ele ia, em pouco tempo, fazer algo. Feri-la. Torturá-la. Abusar dela. Mas semanas depois, o ritual continuava o mesmo; ela jantava com ele, conversava por pouco tempo, e voltava ao confinamento.
Ganhava presentes tirados das casas élficas saqueadas; roupas, livros, brinquedos. Se não fosse pela prisão, podia dizer que levava uma vida de luxo.
O General a tratava sempre bem e polidamente. Aos poucos, ela foi deixando de ficar encolhida na cadeira, e começou a conversar com ele. O hobgoblin era culto, inteligente, e paciente. E ela não tinha com quem mais conversar.
E os minutos que ela permanecia com ele vagarosamente se tornavam horas. E ele arranjou uma harpa élfica para ela, e depois quase um mês, a convenceu a cantar para ele.
Por meses ela entoou antigas cantigas élficas. E ensinava sem perceber.
E Dohokr arranjou pergaminhos de magia. Sabia que a jovem elfa conhecia a arte arcana milenar, e pediu para que mostrasse a ele. Deu a ela pergaminhos com magias inofensivas.
Ela leu e executou as magias. Era interessante agradar o General, pois ela sempre ganhava presentes e atenção em troca disto.
Há muito tempo diversos hobgoblins tentaram forçar elfos a ensinar-lhes sua língua complexa e, com ela, a maravilhosa manipulação da magia. Torturaram, mataram, esfolaram, e fizeram todo tipo de perversidade com esse fim.
E com apenas um plano simples, General Dohokr estava lentamente conseguindo o que nenhuma de sua espécie jamais havia botado as garras.
Pediu à elfa para que lhe traduzisse e ensinasse magia. Ela negou. Sabia que isso estava errado.
Dohokr esperou e esperou, por meses, a agradando como podia e fazendo todas suas vontades de criança.
Então, por cada vez menos tempo ela ficava na cela e por cada vez mais tempo ficava junto ao General, em sua tenda. A menina já não conseguia odiá-lo. Sim, todos os hobgoblins eram maus, mas ele não era mau. Ele era bonzinho. E ele gostava muito dela.
O hobgoblin se ofereceu para ensinar a elfa o idioma goblinóide. E por mais que ela não quisesse sabia que lhe seria útil e, depois de negar-se por algumas semanas, por fim aceitou as aulas.
E muitos meses depois, depois de ocorridas várias mudanças de acampamento e de área, e de estações frias e de estações chuvosas, Dohokr pediu novamente à menina.
Seria desleal ele instruí-la em algo e ela continuar recusando-se a traduzir pergaminhos e ensinar-lhe magia. E ela pensou, e pensou.
E concluiu que ele estava certo.
E a garota elfa passou então a lecionar ao General hobgoblin; élfico, magia, e a traduzir pergaminhos mágicos.
E em troca ele ensinava goblinóide à ela. E dava-lhe mais brinquedos. E ajudava-lhe a ajeitar o vestido e a pentear seus negros cachos de cabelo. E elogiava dela os olhos, profundamente azuis.
Era uma criança verdadeiramente encantadora, apesar de não ser dotada da beleza estonteante que as lendas falavam sobre as elfas. Mas ela era muito perspicaz, e havia aprendido como usar um arco e uma espada de modo excepcional mesmo que esses fossem além de seu próprio tamanho.
E ela sabia o idioma élfico, a língua dos humanos, a língua dos seres da floresta, e um pouco de anão. E aprendia goblinóide com maestria.
Havia lido vários livros sobre os mais diversos assuntos. Havia aprendido com o pai um pouco de estratégias de guerra, e guardado em memória cada uma delas. E tudo em uma idade tão tenra.
General Dohokr conseguira em anos fazê-la ensinar-lhe élfico. E dar-lhe a magia. Mas, por algum motivo, ele não conseguiu matá-la ao concluir esse patamar, como havia planejado.
Ela era uma boa distração entre as batalhas, privada propositalmente de conviver com violência; A menina não vira nenhum elfo mutilado, nenhuma tortura, nenhum grito de agonia e pânico. Nenhum ferido. Tudo para fazê-la acreditar que morava em um sonho, e não numa guerra constante.
Um sonho em que era cativa por um feitor gentil, mas ainda assim um sonho.
Ela era um animalzinho de estimação curioso e sagaz, o qual ele decidiu manter por puro capricho.
E anos passavam numa velocidade estonteante enquanto a guerra lá fora rugia e devorava. E o General e sua criaturinha encontravam-se satisfeitos.
(Continuação em construção, por favor aguardem..)
Neither in the dark, neither in the light. We write our stories covered by shades.
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Os Amaldiçoados Ammarândíl - Conto
Olá pessoas! Como os senhores podem perceber, eu mudei o design do Blog.. O que acharam? Eu achei que assim ficou melhor para ler, e, em teoria, eu e mais algumas pessoas daqui vamos postar sempre, e textos maiores. (E fundo preto cansa a vista, além desse modo permitir parágrafos maiores.)
Abaixo eu posto um conto antigo, que escrevi a Time Skips atrás da aventura, mas com muitos erros de português retirados e um punhado de detalhes a mais, como a citação de La-Uth nessa história e o nome definitivo da adaga Dandelion.
Pode ser uma novela mexicana, mas é uma novela mexicana da qual eu me orgulho muito, senhores!
Comentários são sempre bem-vindos!
PS: Conversei com o caríssimo senhor Box, responsável por outro jogo de RPG do qual mais da metade dos presentes aqui participam, e concluímos que seria fantástico se vocês postarem material referente também ao jogo do Box. Será muito bem vindo. Na verdade, qualquer coisa que se passe no mesmo universo de jogo que o nosso, é bem vinda.
Ou seja, se quizerem escrever sobre o tio do vizinho de algum personagem que nunca será relevante.. Maravilha. Este antro precisa de mais textos.
Grata.
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Os Amaldiçoados Ammarândíl
Ètthanwym Ammarândíl viveu sua vida da melhor maneira que pode. Viveu, eu digo, porque não pôde viver mais. Por causa de tudo o que aconteceu, ele provavelmente está morto. Ou deveria estar morto. Ou enterrou o passado de tal forma que, hoje em dia, é como se nada nunca tivesse acontecido.
O jovem Ethan (Como escrevem os humanos, pouco acostumados com as peculiaridades da escrita e linguagem élfica, bem como de suas diferentes nuances de pronúncia) nasceu em uma família que não deveria ter sido consolidada. Que nunca se consolidou na verdade, que não passou de um jogo doentio de brincar com vidas.
Ele devia se orgulhar de seu sangue, sua família, os Ammarândíl. Família de tradição, sendo incontáveis as centenas de anos que seus feitos estão escritos nos pergaminhos de história élfica. Ou estavam.
Mas não era o caso.
O sangue nobre de Ethan era herdado por parte de mãe. Sua linda mãe, de cabelos louros e cacheados, de olhos azuis claros como eram os dele. Os anos não foram generosos com ela. O destino, menos ainda. Quando jovem havia se apaixonado por um belo elfo andarilho, que caminhava pelo glorioso reino de Lenórienn despreocupadamente, indo aonde o vento soprava. De coração bondoso, mas de mente caótica, do tipo de pessoa que não se prende a ninguém.
Decidiu fugir com ele. Ela foi amaldiçoada pela própria família por fugir com um ladrão pé-rapado, que nem se lembrava do nome da própria família, e em cada lugar era conhecido por um apelido diferente. Na verdade, ele só era reconhecido por sua adaga; Dandelion. Arma mágica de uma antiga dinastia, os Siveriónn, de qual talvez o jovem elfo fizesse parte.
A arma tinha esse nome por estar sempre voando ao sabor da brisa, com ele, e por seu belo brilho prateado. Ao luar, ou ao sol, ficava branca. Branca como a flor que havia lhe dado o nome; Dandelion.
Nos primeiros anos, os dois foram felizes. Fugindo junto, nunca ficando em lugar nenhum, roubando, bebendo, escondendo-se meses na floresta junto a um bando alegre de druidas e rangers. A vida parecia feliz. A vida foi, de fato, feliz. Até a jovem se decidir que queria seu conforto antigo. Uma casa, boa comida, luxo. E ele, aos poucos, já começava a se interessar por novas aventuras e novas elfas e elfos a se conhecer.
Ela então começou a cobrá-lo. A pedir coisas. A pedir para morarem como gente descente em algum lugar. Ele, no inicio, cedeu. Mas em pouco tempo se sentia preso, enjaulado, sufocado. Queria ir embora. Queria viver intensamente sua juventude que, nem de longe, estava terminando! Suas saídas começaram a se tornar mais numerosas. Voltava bêbado para casa. A ignorava.
Em pânico, ela decidiu engravidar.
E funcionou. O elfo se empolgou novamente com a família, na novidade de ter um filho, e tratou a mulher grávida com toda atenção e cuidados que essa podia querer. Amou e cuidou da criança, com toda dedicação que podia ter, ensinando-lhe coisas, brincando, vivendo. Esse era Ethan. E Ethan foi feliz.
Já era um jovenzinho quando seu pai decidiu que chegara a hora de partir. Com o passar dos anos, ficava mais e mais complicada a situação dentro da casa da família que deveria ser feliz. Ele, apesar de cuidar do filho, tinha outras mulheres, incluindo uma prostituta meio-elfa com a qual era visto quase todo dia perambulando pelos becos de Lenórienn.
A mãe de Ethan ficava cada dia mais nervosa, cada dia pedindo mais e mais ervas calmantes aos druidas. Emagrecia paulatinamente, berrava com o companheiro todo dia, chorava, se desesperava. Saía de casa com um olhar trêmulo e apavorado, coberta em panos como se para esconder a própria presença. Sentia nojo de si.
Varias vezes tentara contatar a família, sendo desprezada. Não precisavam de uma elfa sem honra que estava sendo traída com uma prostituta mestiça, conhecimento geral da comunidade. Não, ela não estava obsessiva pelo companheiro. Ela apenas não tinha mais aonde se agarrar. Ou se sustentar. Criada no luxo, ela não trabalhava e não queria aprender a trabalhar para poder comer.
Sua vida se desmoronou, e junto com ela sua sanidade. Havia envelhecido décadas. E quando viu que não havia outro recurso, tentou sua última cartada para tentar manter o companheiro.
Engravidou de novo.
Mas dessa vez não funcionou.
O pai de Ethan comunicou apenas a ele no dia que fugiu, na calada da noite. Furtivo como um ladrão. Disse ao filho o quanto o amava, mas explicou seu indomável desejo por liberdade. Pediu a ele para cuidar de sua mãe, e da criança que havia de nascer. Disse que nunca ia se perdoar por não conhecer o segundo filho, e decidiu dar a Ethan uma missão; quando tivesse idade suficiente, que desse sua adaga à ele ou ela. Mas que não contasse que era de seu pai, ou seu nome, ou sua história. Ele não achava que merecia ser lembrado. E foi assim que o nome de Dandelion morreu.
Aquele elfo sumiu como se nunca houvesse existido. Fugiu com sua nova amante, a prostituta meio-elfa, para terras que nem eles sabiam o que teria. Obedecendo apenas o coração.
Enquanto o coração daquela que um dia havia sido uma jovem apaixonada, morria. Sem esperanças, com um filho em casa e outro na barriga, numa casa simples na periferia da civilização.
Ethan começou a trabalhar. Dava de comer a mãe o que conseguia, e comia o que podia. Ambos eram parias, desonrados, rastejando para conseguir algo.
Ethan só estudou por intervenção de enviados de Khinlanas, o Eterno, o rei dos elfos. Era um direito assegurado a todos os jovens estudar, e ter a chance de entrar em seus exércitos.
Graças a isso eles conseguiram um pouco mais de dignidade. Comida. Mas não era a vida idealizada pela mãe de Ethan, ser tutorada pelo reino. E com isso, ela sofreu. E com isso, ela começou a tomar ervas mais fortes, daquelas que os druidas não recomendavam a ninguém.
Depois que seu companheiro foi embora, ela mergulhou numa crise de depressão, se entupiu de remédios, e passou dias dopada com efeitos de ervas e de bebida. Ethan corria para casa para achar a mãe delirando, pedindo para morrer, ou ferindo o próprio corpo. Ela pedia compulsivamente a morte daquela criança que havia de nascer. E o jovem elfo não conseguia controlar as crises cada vez piores de sua mãe, que enlouquecia ao passar dos meses.
Várias vezes Ethan chamou aos berros clérigos para curar ela e o irmão. Novamente ela havia arranjado ervas abortivas para se livrar de um segundo bastardo, e implorava aos berros para que deixassem ela morrer. E o bebê morrer.
E ela amaldiçoava a criança e batia na barriga enquanto era mais uma vez obrigada a levar a gravidez.
Glórienn, a Deusa dos Elfos, condenava qualquer elfo que matasse um de sua raça. Independentemente do porquê, era um crime hediondo e imperdoável. Por isso ela não podia matar o filho. Mesmo que não tivesse nascido, já seria considerado um assassinato.
Ethan chegou tarde em casa certo dia, depois de ter ido aos estudos, depois de ter treinado a arte milenar da espada e do arco longo como recruta no exército élfico. Cansado, estranhou a casa escura tão cedo, quando mal havia anoitecido.
Algo sussurrou em seu âmago que havia coisa errada. Ele correu mais rápido que pode para o quarto da mãe e a encontrou chorando, compulsivamente, numa cama empapada de sangue. Provavelmente havia arranjado mais alguma erva abortiva.
Ela havia cortado a gestação, que normalmente dura dois anos completos, para apenas um ano e oito meses. Ethan demorou segundos para notar a silhueta frágil e encolhida de um bebê, dentre os lençóis sujos de rubro, que permanecia imóvel.
Sem olhar mais a mãe ele desesperadamente enrolou a criança no lençol, tentando aquecê-la como podia, e saiu correndo sem rumo pela rua, gritando por ajuda.
Quando enfim chegou a casa do clérigo que morava mais próximo, e entregou o bebê nos braços deste, já haviam se passado vários minutos. Duas magias de cura não surtiram efeito naquela criaturinha indefesa, que não estava respirando há um tempo, que estava branco de frio, encolhido sobre si mesmo.
Ethan observava, ofegante, o diminuto prematuro, de braços e pernas muito finas, provavelmente morto de hipotermia pela mãe não tê-lo acolhido no nascimento. Ou talvez pelas ervas que o jogaram para fora. Ou talvez por fome pela mãe não tê-lo alimentado. Ou talvez por ter nascido antes do tempo.
O jovem já se preparava para cobrir o rostinho pálido do bebê com o lençol quando o clérigo decidiu usar mais uma magia de cura. De modo fraco e vagaroso, a criança abriu os olhos e fitou Ethan. Olhos iguaizinhos o de seu pai, prateados.
Incrédulo, ele readquiriu afobação e pediu para aquecerem a criança, alimentarem, e assegurarem-se de que continuaria viva. E assim foi feito. E Ethan ganhou um irmão.
Quando trouxe a criança de volta para casa, sua mãe lhe amaldiçoou. Não queria vê-lo. Não queria alimentá-lo. Queria apenas que morresse. Brigou com Ethan por tê-lo salvado. Bateu no garoto pelo que ele fez.
Mas ela não teve coragem de matar a criança.
E Ethan pode manter em casa seu irmão, mesmo que de maneira precária, que por mais que tivesse que dormir em uma caixa improvisada de berço na cozinha, pode viver.
O elfo se perguntou se o bebê não teria mesmo morrido, e se o clérigo não havia tido pena dele e o ressuscitado. Se isso havia acontecido de fato, o tal clérigo escondida seu poder real da comunidade. Ethan decidiu não pensar nisso. Afogou totalmente a idéia de que sua mãe realmente havia visto o bebê morrer em sua frente sem fazer nada.
Dias depois, apresentado à gloriosa nação élfica, foi batizado o bebê. Pelo mesmo clérigo que a salvara, e pelo seu irmão. A mãe não compareceu. Ela se trancou em casa. Ela nunca mais sairia de casa, desde então, se envenenando em ódio e loucura.
Marthynoâm Ammarândíl é o nome de batismo do menino que seria conhecido apenas como Martin. A criança que deveria estar morta.
Ethan cresceu, largou os estudos, e começou a se dedicar integralmente ao treino militar e ao trabalho, para sustentar a família.
A elfa amargurada aprendeu a conviver com a criança que tinha os olhos de quem, um dia, havia sido seu amado. Não demonstrava preocupação alguma, jogando toda e qualquer responsabilidade no irmão mais velho, sobre alcunha que cuidasse da criança que, afinal, só viveu por causa dele. Mas ela conseguia conversar com o pequeno, e até deixava-o chamar de mamãe, e até deixava-o rastejar por alguma migalha de atenção.
O modo dela de ferí-lo era quase cirúrgico, xingando-o de bastardo ao mesmo tempo que acariciava sua cabeça. Martin pedia aos choramingos Ethan para parar de falar para a mãe não batê-lo, porquê ela só fazia isso por amá-lo.
Ela dizia a ele que tinha que levar surra calado, pois seria uma pessoa melhor se agüentasse, e que deveria ser punido pelo que havia cometido. Crimes parvos, como derrubar comida para fora do prato, freqüentemente resultavam em punições severas e agressões físicas.
Mas era uma das poucas atenções dela para com ele.
Então ele sabia que aquilo era carinho. Então ele ria enquanto sentia seu corpo formigar de dor à noite.
“Mamãe te ama.”
E ele agüentou a vida arrastada, graças aos ensinamentos de Ethan. Ethan tentou criar Martin como seu pai o havia criado; com atenção, com carinho, dentro do possível de suas obrigações. Ethan ia à escola enquanto os educadores reclamavam da postura de Martin; assustado, arredio, passando para agressivo de uma hora a outra. Ele sempre fora totalmente isolado. O único que conseguia lidar com ele era, de fato, seu irmão.
Martin teve crises de depressão desde pequeno. Vomitava com freqüência, não comia quase nada. Sua mãe lhe dizia que era um gasto de despesa, e assim ele achava. Ela dizia que ele comia demais, e assim ele concordava.
Com isso o garoto esquálido de olhos arregalados ficou anoréxico. Com isso ele começou a pensar em se matar. Só não o fez, pelo seu irmão.
Ethan sempre soprava um pouco de vida naquele menino que já devia estar morto. Que era indiferente para sociedade, já que não conversava com ninguém, não era bom em nada, e que não tinha um único amigo.
Ethan brincou com ele, e contou histórias antes de dormir para ele, e comemorou festas de aniversário com ele. Sempre que passava nos bosques próximos a casa onde eles viviam, ele colhia algumas amoras para Martin.
Muitos anos depois, Ethan finalmente concluiu que era incapaz de manter mãe e irmão debaixo do mesmo teto sem que ela ameaçasse a integridade física do garoto. E por isso passou a morar parte do tempo fora, evitando ao máximo trazer Martin para sua casa original.
O amigo mais querido de Ethan, La-Uth, o último herdeiro da casa dos Uth-Fir, morava sozinho em uma enorme mansão que em seu nobre passado havia sido lotada de glória e alegria. Ele aceitou de bom grado abrigar os dois Ammarândíl e ajudá-los no que fosse preciso, enquanto Ethan trabalhava o quanto podia.
Conseguia dinheiro para manter a mãe com certa qualidade de vida dentro da casa dela, e o necessário para cuidar do irmão pequeno na casa de La-Uth, mesmo que de vez enquando acabasse sendo forçado a aceitar uma ajuda financeira do outro elfo. Aqueles tempos foram, de certa forma, tranqüilos.
Até La-Uth ser expulso de Lenórienn por algum motivo que Ethan nunca conseguiu compreender. Até os irmãos voltarem a viver na mesma casa que a mãe, num inferno diário que consumia aos poucos cada um deles.
Até a guerra.
O dia que todas as tropas foram convocadas para lutar contra o exército goblinóide, que havia rodeado a cidade dos elfos. O dia que terminaria com A Guerra Eterna. O dia que Khinlanas, o Eterno, havia decidido levar todos seus súditos para um suicídio em nome de seu orgulho e honra, numa batalha obviamente perdida.
Naquele dia, Ethan foi embora. Deixou a mãe fechada no quarto, e abraçou o irmãozinho, mentindo que voltaria. Deu a ele sua adaga preferida, Dandelion, mas sem revelar o nome ou a história, como havia prometido ao pai. Pediu para ele ser bravo, e proteger a casa e a mãe. Para não se render. Beijou-o na testa, e se despediu para sempre, ignorando o choro do menino.
Ethan foi à guerra, e nunca mais voltou para casa.
Os hobgoblins invadiram aquela casa simples algumas horas mais tarde, capturando e arrastando para fora Martin e sua mãe.
E Martin não pôde proteger a casa. Nem sua mãe. Porque teve medo. Não usou a arma. Ao ver a cidade cheia daquelas criaturas assustadoras, se escondeu debaixo da mesa da cozinha, aos prantos. Fora arrancado de lá pelos cabelos, apanhando, sentindo sangue encher suas narinas.
Sua mãe berrava para matarem ele, não a ela. Pedia para levá-lo, mas não a ela.
Tentando tirar informações da elfa, era conhecido aos hobgoblins que fazer filhos sofrerem na frente das mães era um bom modo de fazer as elfas abrirem o bico. E Martin lembra os dias, talvez semanas, talvez anos, que passou sendo arrastado para frente da mãe, num calabouço escuro, para uma eternidade de dor e sofrimento.
Do suor, do gosto metálico do sangue, do barulho de ossos – seus ossos – sendo esmigalhados. O clérigo de Ragnar o curava, para que tudo prosseguisse.
Lembra-se das lágrimas, do gosto de terra, do cheiro daquelas criaturas. Da sensação dos cortes, do frio das lâminas. Da rouquidão da garganta cansada de gritar, do nojo de ser tocado daquela forma, do abuso, da humilhação. Da dor, da fome, do medo. Do desejo inacreditável de morrer logo, finalmente.
E tudo na frente de sua própria mãe.
E ela berrava que não conhecia a criança. E ela o chamava de mentiroso quando ele a chamava de mamãe, por meio a choros e berros.
Depois de cinco dias, os hobgoblins concluíram que era inútil continuar tentando. E cortaram a cabeça dela na frente de Martin.
E ele percebeu que aquilo não lhe trouxe tristeza. Isso lhe trouxe uma euforia do estômago à garganta, uma vontade louca e selvagem de gargalhar.
E isso lhe trouxe a culpa, e ele decidiu se convencer de que ninguém o amara tanto no mundo como sua mãe e irmão, e que ele era um ser imundo por não ter sentido dor ao ver a própria mãe morrendo. E ele decidiu se culpar por isso.
Não protegeu a casa. Não protegeu a mãe. E a odiou.
E ele ficou perdido quando um grupo de soldados élficos sobreviventes mataram os hobgoblins daquele lugar. E Martin não tinha certeza se estava feliz quando fora posto em liberdade, com um grupo de retirantes famintos que fugiam como vermes para as terras dos humanos.
No começo tinha esperança de reencontrar Ethan, o que lhe deu forças para sobreviver.
O que nunca aconteceu.
Que fim levou Ètthanwym Ammarândíl? Ele provavelmente está morto. Ou deveria estar morto. Ou enterrou o passado de tal forma que, hoje em dia, é como se nada nunca tivesse acontecido.
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Abaixo eu posto um conto antigo, que escrevi a Time Skips atrás da aventura, mas com muitos erros de português retirados e um punhado de detalhes a mais, como a citação de La-Uth nessa história e o nome definitivo da adaga Dandelion.
Pode ser uma novela mexicana, mas é uma novela mexicana da qual eu me orgulho muito, senhores!
Comentários são sempre bem-vindos!
PS: Conversei com o caríssimo senhor Box, responsável por outro jogo de RPG do qual mais da metade dos presentes aqui participam, e concluímos que seria fantástico se vocês postarem material referente também ao jogo do Box. Será muito bem vindo. Na verdade, qualquer coisa que se passe no mesmo universo de jogo que o nosso, é bem vinda.
Ou seja, se quizerem escrever sobre o tio do vizinho de algum personagem que nunca será relevante.. Maravilha. Este antro precisa de mais textos.
Grata.
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Os Amaldiçoados Ammarândíl
Ètthanwym Ammarândíl viveu sua vida da melhor maneira que pode. Viveu, eu digo, porque não pôde viver mais. Por causa de tudo o que aconteceu, ele provavelmente está morto. Ou deveria estar morto. Ou enterrou o passado de tal forma que, hoje em dia, é como se nada nunca tivesse acontecido.
O jovem Ethan (Como escrevem os humanos, pouco acostumados com as peculiaridades da escrita e linguagem élfica, bem como de suas diferentes nuances de pronúncia) nasceu em uma família que não deveria ter sido consolidada. Que nunca se consolidou na verdade, que não passou de um jogo doentio de brincar com vidas.
Ele devia se orgulhar de seu sangue, sua família, os Ammarândíl. Família de tradição, sendo incontáveis as centenas de anos que seus feitos estão escritos nos pergaminhos de história élfica. Ou estavam.
Mas não era o caso.
O sangue nobre de Ethan era herdado por parte de mãe. Sua linda mãe, de cabelos louros e cacheados, de olhos azuis claros como eram os dele. Os anos não foram generosos com ela. O destino, menos ainda. Quando jovem havia se apaixonado por um belo elfo andarilho, que caminhava pelo glorioso reino de Lenórienn despreocupadamente, indo aonde o vento soprava. De coração bondoso, mas de mente caótica, do tipo de pessoa que não se prende a ninguém.
Decidiu fugir com ele. Ela foi amaldiçoada pela própria família por fugir com um ladrão pé-rapado, que nem se lembrava do nome da própria família, e em cada lugar era conhecido por um apelido diferente. Na verdade, ele só era reconhecido por sua adaga; Dandelion. Arma mágica de uma antiga dinastia, os Siveriónn, de qual talvez o jovem elfo fizesse parte.
A arma tinha esse nome por estar sempre voando ao sabor da brisa, com ele, e por seu belo brilho prateado. Ao luar, ou ao sol, ficava branca. Branca como a flor que havia lhe dado o nome; Dandelion.
Nos primeiros anos, os dois foram felizes. Fugindo junto, nunca ficando em lugar nenhum, roubando, bebendo, escondendo-se meses na floresta junto a um bando alegre de druidas e rangers. A vida parecia feliz. A vida foi, de fato, feliz. Até a jovem se decidir que queria seu conforto antigo. Uma casa, boa comida, luxo. E ele, aos poucos, já começava a se interessar por novas aventuras e novas elfas e elfos a se conhecer.
Ela então começou a cobrá-lo. A pedir coisas. A pedir para morarem como gente descente em algum lugar. Ele, no inicio, cedeu. Mas em pouco tempo se sentia preso, enjaulado, sufocado. Queria ir embora. Queria viver intensamente sua juventude que, nem de longe, estava terminando! Suas saídas começaram a se tornar mais numerosas. Voltava bêbado para casa. A ignorava.
Em pânico, ela decidiu engravidar.
E funcionou. O elfo se empolgou novamente com a família, na novidade de ter um filho, e tratou a mulher grávida com toda atenção e cuidados que essa podia querer. Amou e cuidou da criança, com toda dedicação que podia ter, ensinando-lhe coisas, brincando, vivendo. Esse era Ethan. E Ethan foi feliz.
Já era um jovenzinho quando seu pai decidiu que chegara a hora de partir. Com o passar dos anos, ficava mais e mais complicada a situação dentro da casa da família que deveria ser feliz. Ele, apesar de cuidar do filho, tinha outras mulheres, incluindo uma prostituta meio-elfa com a qual era visto quase todo dia perambulando pelos becos de Lenórienn.
A mãe de Ethan ficava cada dia mais nervosa, cada dia pedindo mais e mais ervas calmantes aos druidas. Emagrecia paulatinamente, berrava com o companheiro todo dia, chorava, se desesperava. Saía de casa com um olhar trêmulo e apavorado, coberta em panos como se para esconder a própria presença. Sentia nojo de si.
Varias vezes tentara contatar a família, sendo desprezada. Não precisavam de uma elfa sem honra que estava sendo traída com uma prostituta mestiça, conhecimento geral da comunidade. Não, ela não estava obsessiva pelo companheiro. Ela apenas não tinha mais aonde se agarrar. Ou se sustentar. Criada no luxo, ela não trabalhava e não queria aprender a trabalhar para poder comer.
Sua vida se desmoronou, e junto com ela sua sanidade. Havia envelhecido décadas. E quando viu que não havia outro recurso, tentou sua última cartada para tentar manter o companheiro.
Engravidou de novo.
Mas dessa vez não funcionou.
O pai de Ethan comunicou apenas a ele no dia que fugiu, na calada da noite. Furtivo como um ladrão. Disse ao filho o quanto o amava, mas explicou seu indomável desejo por liberdade. Pediu a ele para cuidar de sua mãe, e da criança que havia de nascer. Disse que nunca ia se perdoar por não conhecer o segundo filho, e decidiu dar a Ethan uma missão; quando tivesse idade suficiente, que desse sua adaga à ele ou ela. Mas que não contasse que era de seu pai, ou seu nome, ou sua história. Ele não achava que merecia ser lembrado. E foi assim que o nome de Dandelion morreu.
Aquele elfo sumiu como se nunca houvesse existido. Fugiu com sua nova amante, a prostituta meio-elfa, para terras que nem eles sabiam o que teria. Obedecendo apenas o coração.
Enquanto o coração daquela que um dia havia sido uma jovem apaixonada, morria. Sem esperanças, com um filho em casa e outro na barriga, numa casa simples na periferia da civilização.
Ethan começou a trabalhar. Dava de comer a mãe o que conseguia, e comia o que podia. Ambos eram parias, desonrados, rastejando para conseguir algo.
Ethan só estudou por intervenção de enviados de Khinlanas, o Eterno, o rei dos elfos. Era um direito assegurado a todos os jovens estudar, e ter a chance de entrar em seus exércitos.
Graças a isso eles conseguiram um pouco mais de dignidade. Comida. Mas não era a vida idealizada pela mãe de Ethan, ser tutorada pelo reino. E com isso, ela sofreu. E com isso, ela começou a tomar ervas mais fortes, daquelas que os druidas não recomendavam a ninguém.
Depois que seu companheiro foi embora, ela mergulhou numa crise de depressão, se entupiu de remédios, e passou dias dopada com efeitos de ervas e de bebida. Ethan corria para casa para achar a mãe delirando, pedindo para morrer, ou ferindo o próprio corpo. Ela pedia compulsivamente a morte daquela criança que havia de nascer. E o jovem elfo não conseguia controlar as crises cada vez piores de sua mãe, que enlouquecia ao passar dos meses.
Várias vezes Ethan chamou aos berros clérigos para curar ela e o irmão. Novamente ela havia arranjado ervas abortivas para se livrar de um segundo bastardo, e implorava aos berros para que deixassem ela morrer. E o bebê morrer.
E ela amaldiçoava a criança e batia na barriga enquanto era mais uma vez obrigada a levar a gravidez.
Glórienn, a Deusa dos Elfos, condenava qualquer elfo que matasse um de sua raça. Independentemente do porquê, era um crime hediondo e imperdoável. Por isso ela não podia matar o filho. Mesmo que não tivesse nascido, já seria considerado um assassinato.
Ethan chegou tarde em casa certo dia, depois de ter ido aos estudos, depois de ter treinado a arte milenar da espada e do arco longo como recruta no exército élfico. Cansado, estranhou a casa escura tão cedo, quando mal havia anoitecido.
Algo sussurrou em seu âmago que havia coisa errada. Ele correu mais rápido que pode para o quarto da mãe e a encontrou chorando, compulsivamente, numa cama empapada de sangue. Provavelmente havia arranjado mais alguma erva abortiva.
Ela havia cortado a gestação, que normalmente dura dois anos completos, para apenas um ano e oito meses. Ethan demorou segundos para notar a silhueta frágil e encolhida de um bebê, dentre os lençóis sujos de rubro, que permanecia imóvel.
Sem olhar mais a mãe ele desesperadamente enrolou a criança no lençol, tentando aquecê-la como podia, e saiu correndo sem rumo pela rua, gritando por ajuda.
Quando enfim chegou a casa do clérigo que morava mais próximo, e entregou o bebê nos braços deste, já haviam se passado vários minutos. Duas magias de cura não surtiram efeito naquela criaturinha indefesa, que não estava respirando há um tempo, que estava branco de frio, encolhido sobre si mesmo.
Ethan observava, ofegante, o diminuto prematuro, de braços e pernas muito finas, provavelmente morto de hipotermia pela mãe não tê-lo acolhido no nascimento. Ou talvez pelas ervas que o jogaram para fora. Ou talvez por fome pela mãe não tê-lo alimentado. Ou talvez por ter nascido antes do tempo.
O jovem já se preparava para cobrir o rostinho pálido do bebê com o lençol quando o clérigo decidiu usar mais uma magia de cura. De modo fraco e vagaroso, a criança abriu os olhos e fitou Ethan. Olhos iguaizinhos o de seu pai, prateados.
Incrédulo, ele readquiriu afobação e pediu para aquecerem a criança, alimentarem, e assegurarem-se de que continuaria viva. E assim foi feito. E Ethan ganhou um irmão.
Quando trouxe a criança de volta para casa, sua mãe lhe amaldiçoou. Não queria vê-lo. Não queria alimentá-lo. Queria apenas que morresse. Brigou com Ethan por tê-lo salvado. Bateu no garoto pelo que ele fez.
Mas ela não teve coragem de matar a criança.
E Ethan pode manter em casa seu irmão, mesmo que de maneira precária, que por mais que tivesse que dormir em uma caixa improvisada de berço na cozinha, pode viver.
O elfo se perguntou se o bebê não teria mesmo morrido, e se o clérigo não havia tido pena dele e o ressuscitado. Se isso havia acontecido de fato, o tal clérigo escondida seu poder real da comunidade. Ethan decidiu não pensar nisso. Afogou totalmente a idéia de que sua mãe realmente havia visto o bebê morrer em sua frente sem fazer nada.
Dias depois, apresentado à gloriosa nação élfica, foi batizado o bebê. Pelo mesmo clérigo que a salvara, e pelo seu irmão. A mãe não compareceu. Ela se trancou em casa. Ela nunca mais sairia de casa, desde então, se envenenando em ódio e loucura.
Marthynoâm Ammarândíl é o nome de batismo do menino que seria conhecido apenas como Martin. A criança que deveria estar morta.
Ethan cresceu, largou os estudos, e começou a se dedicar integralmente ao treino militar e ao trabalho, para sustentar a família.
A elfa amargurada aprendeu a conviver com a criança que tinha os olhos de quem, um dia, havia sido seu amado. Não demonstrava preocupação alguma, jogando toda e qualquer responsabilidade no irmão mais velho, sobre alcunha que cuidasse da criança que, afinal, só viveu por causa dele. Mas ela conseguia conversar com o pequeno, e até deixava-o chamar de mamãe, e até deixava-o rastejar por alguma migalha de atenção.
O modo dela de ferí-lo era quase cirúrgico, xingando-o de bastardo ao mesmo tempo que acariciava sua cabeça. Martin pedia aos choramingos Ethan para parar de falar para a mãe não batê-lo, porquê ela só fazia isso por amá-lo.
Ela dizia a ele que tinha que levar surra calado, pois seria uma pessoa melhor se agüentasse, e que deveria ser punido pelo que havia cometido. Crimes parvos, como derrubar comida para fora do prato, freqüentemente resultavam em punições severas e agressões físicas.
Mas era uma das poucas atenções dela para com ele.
Então ele sabia que aquilo era carinho. Então ele ria enquanto sentia seu corpo formigar de dor à noite.
“Mamãe te ama.”
E ele agüentou a vida arrastada, graças aos ensinamentos de Ethan. Ethan tentou criar Martin como seu pai o havia criado; com atenção, com carinho, dentro do possível de suas obrigações. Ethan ia à escola enquanto os educadores reclamavam da postura de Martin; assustado, arredio, passando para agressivo de uma hora a outra. Ele sempre fora totalmente isolado. O único que conseguia lidar com ele era, de fato, seu irmão.
Martin teve crises de depressão desde pequeno. Vomitava com freqüência, não comia quase nada. Sua mãe lhe dizia que era um gasto de despesa, e assim ele achava. Ela dizia que ele comia demais, e assim ele concordava.
Com isso o garoto esquálido de olhos arregalados ficou anoréxico. Com isso ele começou a pensar em se matar. Só não o fez, pelo seu irmão.
Ethan sempre soprava um pouco de vida naquele menino que já devia estar morto. Que era indiferente para sociedade, já que não conversava com ninguém, não era bom em nada, e que não tinha um único amigo.
Ethan brincou com ele, e contou histórias antes de dormir para ele, e comemorou festas de aniversário com ele. Sempre que passava nos bosques próximos a casa onde eles viviam, ele colhia algumas amoras para Martin.
Muitos anos depois, Ethan finalmente concluiu que era incapaz de manter mãe e irmão debaixo do mesmo teto sem que ela ameaçasse a integridade física do garoto. E por isso passou a morar parte do tempo fora, evitando ao máximo trazer Martin para sua casa original.
O amigo mais querido de Ethan, La-Uth, o último herdeiro da casa dos Uth-Fir, morava sozinho em uma enorme mansão que em seu nobre passado havia sido lotada de glória e alegria. Ele aceitou de bom grado abrigar os dois Ammarândíl e ajudá-los no que fosse preciso, enquanto Ethan trabalhava o quanto podia.
Conseguia dinheiro para manter a mãe com certa qualidade de vida dentro da casa dela, e o necessário para cuidar do irmão pequeno na casa de La-Uth, mesmo que de vez enquando acabasse sendo forçado a aceitar uma ajuda financeira do outro elfo. Aqueles tempos foram, de certa forma, tranqüilos.
Até La-Uth ser expulso de Lenórienn por algum motivo que Ethan nunca conseguiu compreender. Até os irmãos voltarem a viver na mesma casa que a mãe, num inferno diário que consumia aos poucos cada um deles.
Até a guerra.
O dia que todas as tropas foram convocadas para lutar contra o exército goblinóide, que havia rodeado a cidade dos elfos. O dia que terminaria com A Guerra Eterna. O dia que Khinlanas, o Eterno, havia decidido levar todos seus súditos para um suicídio em nome de seu orgulho e honra, numa batalha obviamente perdida.
Naquele dia, Ethan foi embora. Deixou a mãe fechada no quarto, e abraçou o irmãozinho, mentindo que voltaria. Deu a ele sua adaga preferida, Dandelion, mas sem revelar o nome ou a história, como havia prometido ao pai. Pediu para ele ser bravo, e proteger a casa e a mãe. Para não se render. Beijou-o na testa, e se despediu para sempre, ignorando o choro do menino.
Ethan foi à guerra, e nunca mais voltou para casa.
Os hobgoblins invadiram aquela casa simples algumas horas mais tarde, capturando e arrastando para fora Martin e sua mãe.
E Martin não pôde proteger a casa. Nem sua mãe. Porque teve medo. Não usou a arma. Ao ver a cidade cheia daquelas criaturas assustadoras, se escondeu debaixo da mesa da cozinha, aos prantos. Fora arrancado de lá pelos cabelos, apanhando, sentindo sangue encher suas narinas.
Sua mãe berrava para matarem ele, não a ela. Pedia para levá-lo, mas não a ela.
Tentando tirar informações da elfa, era conhecido aos hobgoblins que fazer filhos sofrerem na frente das mães era um bom modo de fazer as elfas abrirem o bico. E Martin lembra os dias, talvez semanas, talvez anos, que passou sendo arrastado para frente da mãe, num calabouço escuro, para uma eternidade de dor e sofrimento.
Do suor, do gosto metálico do sangue, do barulho de ossos – seus ossos – sendo esmigalhados. O clérigo de Ragnar o curava, para que tudo prosseguisse.
Lembra-se das lágrimas, do gosto de terra, do cheiro daquelas criaturas. Da sensação dos cortes, do frio das lâminas. Da rouquidão da garganta cansada de gritar, do nojo de ser tocado daquela forma, do abuso, da humilhação. Da dor, da fome, do medo. Do desejo inacreditável de morrer logo, finalmente.
E tudo na frente de sua própria mãe.
E ela berrava que não conhecia a criança. E ela o chamava de mentiroso quando ele a chamava de mamãe, por meio a choros e berros.
Depois de cinco dias, os hobgoblins concluíram que era inútil continuar tentando. E cortaram a cabeça dela na frente de Martin.
E ele percebeu que aquilo não lhe trouxe tristeza. Isso lhe trouxe uma euforia do estômago à garganta, uma vontade louca e selvagem de gargalhar.
E isso lhe trouxe a culpa, e ele decidiu se convencer de que ninguém o amara tanto no mundo como sua mãe e irmão, e que ele era um ser imundo por não ter sentido dor ao ver a própria mãe morrendo. E ele decidiu se culpar por isso.
Não protegeu a casa. Não protegeu a mãe. E a odiou.
E ele ficou perdido quando um grupo de soldados élficos sobreviventes mataram os hobgoblins daquele lugar. E Martin não tinha certeza se estava feliz quando fora posto em liberdade, com um grupo de retirantes famintos que fugiam como vermes para as terras dos humanos.
No começo tinha esperança de reencontrar Ethan, o que lhe deu forças para sobreviver.
O que nunca aconteceu.
Que fim levou Ètthanwym Ammarândíl? Ele provavelmente está morto. Ou deveria estar morto. Ou enterrou o passado de tal forma que, hoje em dia, é como se nada nunca tivesse acontecido.
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